Educação infantil de qualidade requer afeto e brincadeira

O que torna uma instituição de educação infantil uma boa escola? Para Beatriz Ferraz, doutora em educação e consultora da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), a resposta para essa pergunta passa pelo afeto, segurança e pela brincadeira.
Beatriz é integrante de um grupo que orienta a implementação das diretrizes da Base Nacional Comum Curricular, documento que vem sendo construído desde 2014 e que pretende orientar a atuação de professores em toda a rede de ensino, e reduzir desigualdades de aprendizagem.
“É muito importante que todas as experiências ofertadas sejam baseadas em situações de segurança, de vínculo, de afeto. A criança precisa disso para se sentir segura e preparada para investir na descoberta do mundo que a escola oportuniza.”
Confira entrevista com a especialista, feita pela Beatriz Morrone para a revista Época, em que ela fala sobre a importância da educação infantil de qualidade para o desenvolvimento da criança:

Qual é o papel da educação infantil no desenvolvimento de um indivíduo?

Na primeira infância, a educação infantil tem um papel complementar ao da família na educação das crianças. A escola deve ser um espaço de produção e perpetuação da nossa cultura. A criança aprende a andar em qualquer lugar, mas na escola ela aprende a andar com destrezas específicas. Atividades de pular corda, por exemplo, estimulam essa habilidade física. A escola ensina habilidades de convívio social diferentes das que a criança aprende em casa.

Quais as experiências que a criança deve viver nessa etapa de ensino?

É muito importante que todas as experiências ofertadas sejam baseadas em situações de segurança, de vínculo, de afeto. A criança precisa disso para se sentir segura e preparada para investir na descoberta do mundo que a escola oportuniza. A linguagem nessa fase baseia-se nas brincadeiras e nas experiências lúdicas. É por meio delas que a criança pequena constrói seu conhecimento. O professor deve estar atento às brincadeiras para fazer interferências pedagógicas quando for pertinente sem, com isso, cercear a liberdade da criança.

Qual o momento de começar a introduzir atividades mais sistemáticas, tradicionais?

As atividades lúdicas, que têm o papel de despertar a curiosidade e a ação, devem estar presentes durante toda a educação infantil e no inicio no ensino fundamental. As atividades mais sistemáticas, de exercícios, repetição, cópia e memorização, não precisam entrar nessa etapa. É completamente possível que, nesse momento, as crianças construam conhecimentos por meio de experiências lúdicas planejadas com intencionalidade pelo professor.

Para o desenvolvimento da criança, quais os perigos de ela não ter acesso a uma educação infantil de qualidade?

Se a criança não frequentar uma instituição de Educação Infantil, ela vai se desenvolver menos? Muito possivelmente sim, mas em relação a algumas habilidades e conhecimentos. Por outro lado, vai desenvolver mais outras coisas, a partir da convivência em casa – se a relação familiar for positiva. O importante é chamar a atenção para a questão da qualidade da experiência. Segundo pesquisas, uma criança que frequenta uma educação infantil de baixa qualidade chega a ter resultados negativos se comparada com uma criança – na mesma condição social e familiar – que não frequentou a etapa de ensino. Ir para a escola por si só não favorece nenhum desenvolvimento específico. A escola precisa ser uma escola de qualidade. Precisa conhecer muito sobre o desenvolvimento da criança e sobre como ela aprende para ter um impacto positivo.

Quais os impactos que uma educação infantil de qualidade tem na vida de alguém?

Existe uma pesquisa nos Estados Unidos que já tem 40 anos de análise. Ela acompanhou dois grupos de crianças vulneráveis: um que frequentou uma pré-escola de qualidade e outro que não frequentou. O que se observa é que, entre as crianças que frequentaram uma boa educação infantil, os índices de repetência e evasão escolar diminuem e os índices de aprendizado aumentam. No longo prazo, na vida adulta, se verificou uma queda de criminalização e de envolvimento com drogas. Até a saúde aumenta. São benefícios, portanto, para além do cognitivo em si. Estamos falando também de um indivíduo, que consegue viver plenamente sua cidadania.

Qual é o melhor momento de iniciar a alfabetização?

O processo de alfabetização se dá desde o início, quando a criança entra em contato com o mundo letrado. Ela vai ao supermercado com os pais vê os rótulos dos produtos, escuta histórias, folheia livros. Nesse caso, a polêmica está no processo de sistematização e compreensão do código da escrita. Para a criança conseguir ler e escrever com certa fluidez, é muito importante que ela tenha conhecimentos anteriores a isso – que devem ser trabalhados na educação infantil. Não adianta eu pedir que uma criança de 7 ou 8 anos produza um texto se ela não tiver repertório textual.

Leia também:

Como construir esse repertório?

Uma criança que ouve histórias desde cedo exercita habilidades. Ela sabe como as narrativas começam e expande seu vocabulário. Quando ela finalmente é convidada a escrever, terá repertório para refletir sobre como essa letras se organizam para formar palavras, frases e texto. É importante entender as habilidades que precisam ser contempladas na primeira infância. Assim, quando a criança tem 6 ou 7 anos, o processo de sistematizar a alfabetização se torna muito mais tranquilo.

Leia mais: 

Confira a entrevista na íntegra na revista Época.