O que seus filhos estão aprendendo na creche?

Por: Camila Hungria

Os primeiros anos de vida de uma criança, possivelmente, são a fase em que ela vai se desenvolver mais. Ao descobrir o mundo, arriscar os primeiros passos, provar o gosto de alimentos diferentes, balbuciar as primeiras palavras e etc, a criança está aprendendo muita coisa. É nessa fase, também, que as crianças começam a frequentar as escolinhas e creches. Mas o que será e como elas aprendem nesses lugares?  A Nova Escola acompanhou um dia de atividades com crianças de 1 e 2 anos, na IMI Maroca Veneziani, creche municipal de São José dos Campos, e registou tudo o que elas aprenderam. Confira:

O dia começa com faz de conta

Logo após serem recebidas com muita atenção, as crianças podem circular pela sala e escolher em que canto brincar e com quem. No jogo de faz de conta, a professora interage com elas e estimula a brincadeira: “Ah, vocês estão cozinhando? O que vão preparar? Está com uma cara ótima! Dá um pouco pra sua amiga”. A comunicação, oral e gestual, é constante.

– Como o bebê aprende com isso?

Por meio do jogo simbólico, a criança passa a dar diferentes significados a um único objeto. “Um pedaço de pau pode ser uma bengala ou uma boneca que se embala. Os adultos fazem o mesmo: interpretam fatos ou objetos de diferentes formas”, explica Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, coordenadora do Centro de Investigações sobre Desenvolvimento Humano e Educação Infantil (Cindedi), da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.

O faz de conta é o primeiro contato da criança com as regras e com o papel de cada um, aprendizado fundamental para a vida em sociedade. A imaginação tem ainda uma função importante na regulação das próprias emoções e das ações. Aqueles que tiveram tolhida na infância a possibilidade de imaginar, em geral, apresentam a dificuldade de controlar os impulsos na vida adulta. “A imaginação é um jeito de concretizar um pensamento sem a necessidade da ação. Eu posso querer bater em alguém, mas sei controlar esse impulso e não preciso agir”, explica Clotilde.

A brincadeira e o faz de conta são meios também de desenvolver a linguagem. Imaginando, a criança se comunica, constrói histórias e expressa vontades. “Ao se relacionar com os colegas, coloca-se no lugar do outro, reforçando sua identidade”, ressalta Maria Ângela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Estudos do Brincar da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Livros para ver, folhear e comer

No cantinho da leitura, em uma prateleira ao alcance das crianças, ficam expostos os livros. Elas escolhem alguns e se sentam no chão para folheá-los ou mesmo levá-los à boca. Um bebê entrega um livro à professora, que pergunta: “Ah, você quer que eu leia?” Os pequenos, então, passam a prestar atenção na leitura feita por ela, que mostra as ilustrações e as comenta

– Como o bebê aprende com isso?

Hoje se sabe que a evolução da comunicação não se dá de forma espontânea nem está relacionada à genética e à hereditariedade. Participar de diferentes formas sociais de comunicação tem um papel fundamental nessa aprendizagem. E aí a creche é rica: os bebês brincam, conversam com o professor, ouvem histórias e a descrição do que o adulto está fazendo, por exemplo, enquanto se troca a fralda. Com a linguagem escrita, o caminho é o mesmo.

As crianças inseridas em sociedades que têm esse recurso como um forte elemento de comunicação começam a se interessar por ele bem mais cedo. Ninguém espera que as de 2 ou 3 anos memorizem ou rabisquem letras, mas o contato com adultos que escrevem regularmente e leem para elas e para si mesmos aumenta o interesse e o desejo de dominar a língua escrita. “Participar de atividades de comunicação e leitura interessantes, respeitado o nível de desenvolvimento, vai ajudar os pequenos quando chegarem à alfabetização”, explica Maria Ângela.

Outras aprendizagens O contato com os livros pode desenvolver a linguagem plástica se o professor chamar a atenção para diferentes estilos de ilustração. “O conteúdo das obras também amplia a exploração do ambiente ao trazer informações distantes do meio em que vive a turma”, diz Maria Ângela.

Balança, pula, entra e sai, sobe e desce…

Uma área externa preparada para propiciar diferentes formas de movimento aguarda os bebês. A professora espalha cavalinhos de balanço e bolas para eles brincarem. As educadoras ficam de olho na turma e a estimula a brincar. Os meninos montam no cavalinho e elas desafiam: “Agora balança! Pra frente e pra trás! Quer ajuda? Consegue sair? Muito bom! Você consegue sozinho!”

– Como o bebê aprende com isso?

Quando as crianças têm espaço e liberdade para se movimentar, aprendem a medir sua força e seus limites. Elas se exercitam até que o domínio da ação as impele ao próximo desafio, como se dissessem: “Já sei andar. Vou ver se corro”. Nos primeiros anos de vida, ocorrem grandes mudanças em relação a tudo o que se refere à capacidade de movimento. O bebê passa de uma situação de dependência para uma de certo controle, do movimento descoordenado à coordenação quase total. “Tudo isso se dá por meio de brincadeiras simples, como se movimentar num cavalinho de balanço”, explica Beatriz Ferraz.

Por volta do primeiro ano de vida, a criança começa a construir uma representação do próprio corpo, dos seus segmentos e de suas possibilidades e limitações. Esse esquema corporal é criado com base em experiências cognitivas, verbais, motoras ou relacionadas a sensações. Os conceitos de organização espacial também se formam nessa fase por meio do contato com as expressões que os adultos usam para indicar a localização do bebê (dentro, fora etc.). Com o tempo, eles são interiorizados e dão início à construção das ideias sobre o espaço e o tempo (em cima, embaixo, amanhã, depois etc.). O movimento e a fala dos educadores são responsáveis ainda pela aquisição das noções de duração, sucessão e ritmo.

O movimento, por si só, é uma das primeiras conquistas da criança rumo à autonomia e à formação da identidade. Já as experiências relativas ao espaço e ao tempo garantem que ela se aproxime de noções de Matemática e de conceitos-chave para a exploração do ambiente.

Uma descoberta em cada canto do jardim

Um gramado com diferentes tipos de planta e um grande tanque de areia são convites à exploração. As crianças se espalham e são incentivadas a descobrir mais sobre o ambiente que as rodeia. Uma menina avista uma formiga, se abaixa e tenta pegá-la. O inseto foge e ela sorri. Logo depois, corre pela grama, se agacha e tira folhas do chão. Ela olha para a professora, que comemora o feito.

– Como o bebê aprende com isso?

Por meio da exploração, da curiosidade, da observação e dos questionamentos que fazem aos adultos, as crianças buscam entender o como e o porquê dos fenômenos da natureza e da sociedade. Segurando, mordendo, batendo e carregando objetos e materiais, elas começam a perceber que eles existem independentemente de suas ações. Essas coisas podem estar isoladas ou em grupos, ter tamanhos variados e aparecer em diferentes quantidades.

À medida que vão trabalhando com isso, os pequenos adquirem informações sobre o mundo e constroem a gênese do conhecimento sobre as características dos objetos, da natureza e do espaço que os cercam. Isso pode se dar por meio da tentativa de calçar um sapato, colocar uma caixa maior dentro de outra menor ou ainda pela observação de um aquário montado na sala. “Na interação com as situações e com parceiros mais experientes que os façam refletir, os bebês são apresentados ao mundo e aos poucos conceitualizam a vida à sua volta”, ressalta Maria Ângela.

A possibilidade de explorar um espaço, se movimentando por locais em que haja obstáculos planejados e em diferentes tipos de solo propicia desafios motores. As conquistas e descobertas feitas nessa etapa e a oportunidade de escolher também permitem que a criança construa sua autonomia.

Ajuda na hora de comer só para quem precisa

O refeitório é amplo e organizado. As crianças menores se sentam em cadeirões e são alimentadas pelas assistentes, que conversam com elas. “Quer comer sozinha? Tente pegar a colher. Isso! Agora ponha na boca.” Os que já têm essa habilidade se sentam à mesa de tamanho adequado à faixa etária. A professora serve o prato e apenas estimula todos a comer.

– Como o bebê aprende com isso?

Num ambiente desafiador e que possibilita interações adequadas, desde muito cedo a criança age com crescente independência. Ela aponta para pessoas ou coisas de que gosta e decide o que vai explorar. Ao tomar decisões e fazer escolhas, ganha um sentido de controle e eficácia pessoal, como se dissesse: “Sou alguém que consegue fazer isso”. Essa sensação é proporcionada ao permitir que se alimentem sozinhos, por exemplo. “Eles devem realizar várias tarefas por conta própria, mas isso não quer dizer largá-los à própria sorte”, afirma Maria Ângela. “Ao contrário, é preciso intervir sempre que necessário e ajudá-los a entender como se faz determinada coisa.”

À medida que o ambiente os encoraja a ser independentes, eles também têm de se proteger contra experiências que causem vergonha – como não conseguir fazer algo sozinhos na primeira tentativa. Nesse ponto, a formação de fortes laços emocionais com a mãe e o educador é essencial. Apoio e incentivo são muito mais eficazes para eles do que críticas e restrições.

Ao terem a oportunidade de interagir, os bebês aprendem a se relacionar com o outro. Os possíveis conflitos gerados nessas situações são um ótimo meio de aquisição da linguagem verbal, desde que bem mediados pelo professor. Já quando realizam uma atividade sozinhos, como almoçar, o estimulo à observação dos alimentos proporciona conhecer os hábitos culturais de onde vivem.

Rabiscos e formas de cores variadas: é arte

A educadora pega os potes com canetas hidrocor. É hora do desenho. Ela distribui cartolinas e espalha as canetinhas pelo chão. Os bebês escolhem a cor que querem e começam a desenhar. A caneta desliza pela folha e logo depois vai para a boca. A professora, sempre de olho, mostra aprovação sobre o trabalho dos pequenos. “Mas que beleza! Está bonito demais isso.”

– Como o bebê aprende com isso?

Num primeiro momento, os bebês produzem riscos, pontos e círculos aleatórios, sem uma forma aparentemente definida. “A primeira relação da meninada com o desenho se dá, de fato, pelo movimento: o prazer de produzir um traço sobre o papel”, conta Maria Clotilde. Com o tempo, e após várias experiências com materiais, suportes e técnicas diferentes, as formas se tornam mais definidas e próximas da realidade. Assim, as crianças expandem suas capacidades nessa área.

É por meio dos desenhos que, paulatinamente, elas passam a ter controle para fazer linhas abertas, fechadas, compridas, curtas e pontilhadas (inclusiveO desenho e o desenvolvimento das crianças, entendendo o que isso tudo quer dizer). Com o uso de materiais como massa de modelar, aprendem a moldar, bater, enrolar e puxar. As tintas são espalhadas no papel com pincéis, esponjas e até com as mãos. “Dessa forma, desenvolvem-se a expressão artística, a curiosidade e a criatividade e se constroem os fundamentos das linguagens visuais, como ritmo, contraste, tamanho e cor”, explica Maria Clotilde.

Por trabalhar com a expressividade, as atividades artísticas são importantes no desenvolvimento da identidade e da autonomia (“Este é o meu desenho! Aqui está meu irmão.”). Elas são ainda um meio de controle motor, de compreensão do espaço e de desenvolvimento da imaginação (fundamental para a condição humana e relacionada ao brincar).

Batuques, palmas e canções fazem um show de ritmos

A professora chama a turma para um cantinho repleto de instrumentos musicais. Os pequenos ainda não sabem falar, mas acompanham, do seu jeito, a música cantada por ela. Batem palmas e, ao fim de cada verso, soltam um som parecido com a letra. Uma criança pega um chocalho e tenta acompanhar. Outra pega um bumbo e bate animada, como se, sozinha, pudesse ditar o ritmo.

– Como o bebê aprende com isso?

A linguagem musical está presente em todos os momentos da vida e atua como um elo entre as gerações de uma mesma família e entre membros da comunidade. “Fornecer um repertório amplo de ritmos e sons é garantir o acesso à cultura”, ressalta Beatriz Ferraz. Cantar cantigas, dançar em roda, acompanhar a música com palmas e saber o nome e os sons de vários instrumentos são alguns dos conteúdos trabalhados na creche.

As crianças costumam descobrir fontes sonoras surpreendentes ao bater, sacudir ou empurrar objetos à sua volta, assim como quando utilizam instrumentos sonoros simples. A atividade é ainda mais proveitosa quando o professor as estimula: “Escutem que som legal ele faz quando agita o chocalho”.

O trabalho com ritmos tem uma importante relação com atividades de movimento. As músicas são ainda uma ferramenta para a aquisição da linguagem verbal.

Com informações da revista Nova Escola.

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