Professora com Síndrome de Down dá resposta a post preconceituoso

Com o assassinato da vereadora Marielle Franco, uma série de fake news e discursos de ódio começaram a surgir. Comentários fundamentalistas e preconceituosos povoaram a internet na última semana.

A desembargadora Marília Castro Neves foi a responsável por uma dessas publicações – no post, ela declarou que “a tal Marielle descumpriu ‘compromissos’ assumidos com seus apoiadores”, supostamente do Comando Vermelho, e por isso foi morta.

Não parou por aí. Marília tem feito diversas publicações falaciosas e se envolveu, também na última semana, em uma polêmica envolvendo Débora Seabra, a primeira professora com Síndrome de Down do Brasil. Em um grupo do Facebook, publicou a seguinte mensagem:

A desembargadora Marília Castro Neves fez uma publicação ofensiva em um grupo do Facebook.

Ao contrário de Marielle, que não está aqui para se defender, Débora não deixou barato e resolveu responder a desembargadora. Também usando as redes sociais, a professora deu o que chamamos de “pisão”, mas com muita classe.

“Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada uma, ajudem a quem precisa mais” – é um dos trechos da carta, que Débora fez questão de escrever à mão.

O texto termina ainda melhor: “O que eu acho mais importante de tudo isso é ensinar a incluir as crianças e todo mundo pra acabar com o preconceito porque é crime. Quem discrimina é criminoso”, escreveu a professora.

Confira a carta abaixo:

Débora não hesitou em responder a desembargadora. Numa carta maravilhosa, publicada no Facebook, ela deu o recado.
  • Posicionamento da FBASD

Com toda movimentação e repercussão na mídia depois da publicação ofensiva, a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down publicou uma carta aberta de repúdio à manifestação da desembargadora. Leia na íntegra:

A Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down vem tornar público seu repúdio à demonstração de preconceito manifestado por uma autoridade pública, a desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em relação às pessoas com síndrome de Down.

Na luta empreendida pela sociedade e pelo estado brasileiro pela garantia dos direitos das pessoas com deficiência, destacamos a aprovação do texto da Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, introduzindo no ordenamento jurídico, com força de emenda constitucional, normas com o propósito de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e qualitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência.

Após milênios de exclusão, nos últimos 70 anos, a sociedade em todo o mundo vem aperfeiçoando-se em seu processo civilizatório ao reconhecer os direitos e propor melhoria das condições de vida da pessoa com deficiência.

Não obstante essa árdua luta que visa mudar os paradigmas sociais e culturais mediante novos valores que reconhecem a dignidade humana, nos deparamos com comentários feitos por pessoa cujo exercício da nobre função de magistrada, desce ao mais baixo nível, tornando público em perfil do Facebook seu preconceito contra as pessoas com deficiência.

A Desembargadora Marília Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro postou em sua página virtual: “Voltando para a casa e, porque vivemos em uma democracia, no rádio a única opção é a Voz do Brasil…Well, eis que senão quando, ouço que o Brasil é o primeiro em algumas coisas!!! Apuro os ouvidos e ouço a pérola: o Brasil é o primeiro país a ter uma professora portadora de síndrome de down!!!. Poxa, pensei, legal, são os programas de inclusão social…Aí me perguntei: o que será que essa professora ensina a quem??? Esperem um momento que eu fui ali me matar e já volto, tá?”.

Sabemos que os juízes também têm a liberdade de se expressar como cidadãos, mas a atividade que escolheram lhes impõe uma série de limitações, de natureza normativa, presentes no Código de Ética da Magistratura, dentre as quais o dever de manter a integridade de sua conduta e o de comportar-se em sua vida privada de modo a dignificar a função de magistrado.

A FBASD considera que mensagem carregada de preconceito, ofende, definitivamente, os ditames impostos aos juízes por seu Código de Ética. Textos dessa natureza claramente denigrem a magistratura e, assim, devem ser rigorosamente apurados pelos órgãos competentes, tais quais a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e o Conselho Nacional de Justiça.

Assim vimos tornar público nosso repúdio contra a manifestação de preconceito expressado pela Desembargadora Marília Castro Neves.

FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE SÍNDROME DE DOWN

  • Manifestações

Familiares de pessoas com Síndrome de Down fizeram foram às ruas hoje para um ato em repúdio à publicação de Marília. A manifestação aconteceu em frente à 20ª Câmara Civil, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O acontecimento vem ao encontro do Dia Internacional da Síndrome de Down, que é 21 de março, uma data justamente dedicada à conscientização da sociedade sobre a Síndrome e sobre o preconceito.

De acordo com o Tribunal de Justiça, “o grupo do movimento em favor das pessoas com Síndrome de Down teve pleno acesso à sala de sessões da 20ª Câmara Cível”. Ainda segundo o órgão, a sessão não chegou a ser interrompida por conta do protesto.

A FBASD entrou com uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo que a ministra Cármen Lúcia tome providência contra a manifestação preconceituosa da desembargadora. O Psol também entrou com uma outra representação no CNJ contra a magistrada.

  • Quem é Débora

Débora Araújo Seabra de Moura tem 36 anos e trabalha há 13 como professora auxiliar em uma escola particular de Natal. Ela é ainda autora de livro infantil chamado “Débora Conta Histórias” (Alfaguara Brasil, 2013).

Débora ensina respeito e diversidade às crianças, e faz a diferença na educação do Brasil.

Em 2015, Débora recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro de Educação, em Brasília, justamente por ser considerada exemplo no desenvolvimento de ações educativas no país. Uma matéria publicada ano passado no Catraca Livre conta a história da professora – clique aqui e acesse.

Leia mais: